EXCEPCIONAL
Jose Roberto Guzzo é um dos poucos jornalistas a enfrentar, com a coragem de sempre, as manifestações de desrespeito ás leis, do STF. Em mais um brilhante texto, ele mostra o quanto nos aproximamos do autoritarismo e a inconveniência desse obsequioso silêncio de quase toda a imprensa e sociedade.
Fala Guzzo:
Ou a lei vale para todos e por igual, durante o
tempo todo, ou não existe.
J. R. Guzzo, O Estado de S.Paulo.
O ministro Alexandre de Moraes, que comanda há 15 meses uma investigação ilegal,
ilícita e inédita na história jurídica e política do País, disse há pouco, em
mais uma das aulas de doutrina que vem dando sobre quais os direitos o cidadão
tem ou não tem neste novo Brasil governado pelos 11 juízes do STF, que as
garantias individuais estabelecidas na Constituição não valem para todos. Em
seu modo de aplicar a lei, direitos
fundamentais podem ser anulados em caráter “excepcional” – como ocorre, por exemplo, com o seu
inquérito para apurar o que considera ameaças para a democracia.
Onde está
escrito isso? Como alguém pode saber se aquilo que faz está sob a proteção da
lei ou se é um caso “excepcional”? Quem está autorizado a suspender os direitos
dos acusados de algum delito? Não há resposta para nada disso.
O que se sabe, com
certeza, é que a violação dos direitos à liberdade, ao julgamento público ou à
livre expressão, como está acontecendo nos arrastões do ministro Moraes, agride
diretamente o estado de direito. Se a autoridade pública dá a si própria o
poder de suspender as garantias legais deste ou daquele cidadão, nos casos em
que achar isso necessário para “o bem comum”, a lei passa a não valer nada – ou
vale para todos e por igual, durante o tempo todo, ou não existe. Na vida real,
quando se deixa de lado o que está sendo dito e se passa ao que está sendo
feito, o fato que fica realmente claro é o seguinte: nesta história toda, até
agora, as únicas ofensas comprovadas à democracia foram praticadas pelo STF.
Em 15 meses de
diligências, o inquérito secreto do ministro Moraes não conseguiu descobrir
nada que possa ser considerado minimamente sério contra os investigados – cuja
situação legal, até hoje, continua ignorada por seus próprios advogados.
(Indiciados eles não são, pois não foram acusados de crime nenhum pelo
Ministério Público – que nem sequer participa do caso. Também não são réus,
pois não há processo nenhum contra eles. Suspeitos, talvez? O STF não informa.)
O fato é que todo esse vendaval não descobriu até agora a mais remota prova de
uma conspiração objetiva contra as instituições, ou indícios de alguma
atividade de guerrilha, ou sinais de treinamento paramilitar, ou um esconderijo
de armas – o máximo que se conseguiu, ao que parece, foram uns rojões de São
João que, aliás, nunca estiveram escondidos. Tudo o que se descobriu em relação
aos suspeitos é o monte de disparates que, segundo dizem, gostariam de fazer um
dia – mais nada, realmente. Que raio de situação “excepcional” é essa?
A única resposta
correta para os crimes cometidos contra a democracia, ou quaisquer outros, é
investigar, processar e punir os culpados dentro do que a lei determina. No
Brasil de hoje, a resposta dada pelo STF é suspender os direitos do acusado –
em “caráter excepcional”, como quer o ministro Moraes. Em vez de aplicar a lei,
os defensores das instituições acham que se deve suprimir as garantias
constitucionais de quem promove manifestações de rua e outros atos
“antidemocráticos”, ou cassar o direito que têm à livre manifestação do seu
pensamento. É um desastre para a verdadeira democracia no Brasil, silencioso e
em câmera lenta, que se admita a violação da lei para cumprir a lei – ou que se
entregue a 11 indivíduos o direito de escolher o que é “o melhor para todos”.
O Congresso, que silencia diante da agressão aos
direitos dos parlamentares, a maioria da mídia e a elite intelectual se
aliaram, ativamente ou pela omissão, ao surto antidemocrático do Supremo.
Enquanto for assim, o “bem comum” será aquilo que os ministros disserem que é.
Jose Roberto Guzzo.
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