Prisão do general Braga Netto mostra que vivemos um AI-5 do século XXI
O Brasil vive a quase seis anos num estado de exceção único em sua história: uma junta de magistrados que serve ao governo, é servida por ele e defendida pelas Forças Armadas, decidiu que existe uma ameaça eterna à democracia no país e, por conta da necessidade superior de preservar o “Estado de Direito”, está autorizada a desrespeitar qualquer lei. Também se deu o poder de ir criando a sua própria legislação à medida que quer fazer isso ou aquilo. O resultado é um AI-5 do século XXI. Sai a urgência de combater a subversão. Entra a urgência de combater o “golpe”.
A prisão do general Braga Netto, uma aberração legal em
qualquer país civilizado do mundo, é o último show do regime na sua escalada
repressiva. Como tantos outros, foi acusado pela polícia privada do STF de
organizar um golpe de Estado para impedir Lula de assumir a Presidência e
colocar no governo um comitê de militares. É mais um passo na estratégia de manter
vivo o inquérito ilegal aberto em 2019 e que serve, hoje, como a única
Constituição válida do Brasil. Começou para investigar “fake news”. Passou a
ser o instrumento de poder mais potente na vida pública do país.
O que existe – e é só isso que existe – é a invenção de uma
nova doutrina na ciência criminal: prova é tudo aquilo que a Polícia Federal do
Brasil diz que é prova, nos casos em que investiga acusados do exercício de
atividades políticas ilegais
A questão, como em tudo que houve ao longo deste processo,
não é saber o que o general e os outros acusados queriam, ou se o que queriam
estava certo ou errado, ou mesmo se o STF tem o direito de agir como delegacia
de polícia e vara penal. A questão, agora como desde o primeiro minuto, é onde
estão as provas de que houve uma tentativa de golpe.
A palavra “prova” é utilizada aqui com o significado que ela
tem em todos os códigos penais em vigor no resto do mundo: o fato objetivo, ou
conjunto de fatos, que atesta a existência material de algo. Não é o que a
polícia acha, ou que o juiz supõe. É o que aconteceu. Isso não existe, por
nenhum processo racional, nos “atos golpistas” do dia 8 de janeiro, nem na
denúncia contra os “37 líderes” e nem na prisão do general Braga Netto.
O que existe – e é só isso que existe – é a invenção de uma
nova doutrina na ciência criminal: prova é tudo aquilo que a Polícia Federal do
Brasil diz que é prova, nos casos em que investiga acusados do exercício de
atividades políticas ilegais. Não vale para traficantes de drogas, assassinos
presos em flagrante ou qualquer outro tipo de criminoso que, naturalmente,
continuam desfrutando de todas as garantias da lei; só vale para “golpistas” ou
suas submarcas, como “propagadores de ódio”, autores de fake news e o que mais
está na lista de crimes hediondos do STF. A aplicação dessa doutrina é simples.
A PF diz que possivelmente teria havido uma tentativa de se fazer ou pensar
alguma coisa. A imprensa informa: “PF anuncia provas do golpe”. O STF manda
prender os acusados.
A prisão do general Braga Netto é mais um esforço para
impedir a concessão da anistia para os presos políticos do Brasil. É a maior
causa, hoje, do STF, de Lula e da esquerda nacional: “Sem anistia”. Com medo de
perder na votação do tema no plenário da Câmara cria-se, a cada 15 minutos, uma
nova e intolerável ameaça à democracia: o homem-bomba suicida de Brasília, os
37 “Kids Pretos”, o general Braga Netto etc. etc. etc. Como pensar em anistia,
horrorizam-se os ministros, os jornalistas e o PT, com todos esses atentados ao
Estado de Direito? Não dá.
Jose Roberto Guzzo. Ex-diretor da Revista Veja por 15 anos, correspondente em Paris e Nova York.
Nenhum comentário:
Postar um comentário