Em excelente artigo para O Estado de S. Paulo, Fernão Lara lança luz sobre a necessidade de sintonia fina entre o combate ao vírus e os cuidados com a economia. Por concordar, divido-o com os amigos da coluna.
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O problema é de ajuste fino. Definir o que é
ou não essencial. Fechar tudo, sem mais, vai caindo a ficha do mundo inteiro, é
mais ou menos como suicidarmo-nos antes que o vírus nos pegue. As economias não
podem ser desligadas e ligadas impunemente. Elas morrem e têm de nascer de novo
o que são processos muito mais demorados e dolorosos.
Dinheiro x vidas? Falso
dilema. Economias são pessoas. Sonhos feitos e desfeitos. Semeaduras de saúde
ou de doenças futuras. Plantações de paz ou de violência. Partindo do nada, o
tsunami econômico politicamente fabricado em nome da contenção da pandemia do
coronavirus está provocando uma devastação que, considerado apenas o ponto a
que já chegou, muito abaixo da crise de 2008 para a qual havia todos os
fundamentos econômicos e financeiros concretos, será um marco divisor na
história da humanidade.
Nem os Estados Unidos, com
todo o seu poder e sua glória, poderão mantê-la viva artificialmente
distribuindo um trilhão de dólares por quinzena para cima e chequinhos de
campanha eleitoral para baixo, à la Lula. No Brasil os 15 dias de pânico já
quebraram mais de R$ 1,5 trilhão no valor de tudo que está nas bolsas, mais de
20% do PIB...
Investir em precisão e
comedimento é a resposta correta como mostra o argumento indiscutível do
resultado que se pode aferir comparando a destroçada Europa Latina, de que
somos filhos, toda ela em "rigorosa quarentena" e índices de mortalidade
que começam por mais que o dobro dos nossos 1,6% e vão até aos quase 9% da
Lombardia italiana, com Alemanha, Taiwan, Cingapura, Coreia do Sul e outros que
têm colhido índices de letalidade inferiores a 0,4%.
Não há ventos favoráveis
para o navegante que não sabe para onde vai. Testagem rápida em massa e parar,
na maior medida possível, só os doentes e os transportadores de doença já
identificados. Pesquisa intensiva de tratamentos eficazes. Precisão na
informação, rigor nas medidas preventivas individuais, eis os ingredientes que
detêm a pandemia e enfraquecem o coronavirus.
O primeiro e maior desafio é
portanto da imprensa. A pergunta essencial é quanto da reação dos políticos
responde aos fatos e quanto à cobertura que ela tem feito pois é no interstício
entre essas duas balizas que prospera o vírus que vai devastando a economia do
planeta inteiro, este sim de uma letalidade nunca antes vista em tempos de paz
ou em tempos de guerra, no mundo antigo ou no mundo moderno.
O desafio está em impedir
que o foco da cobertura desvie-se da mecânica da progressão da doença para as
reações do povo às determinações dos políticos e as dos próprios políticos às
decisões de outros políticos, o que nem sempre é fácil de separar. Em outras
palavras no rigor do cuidado das redações em não se deixarem transformar em
correias de transmissão de um pânico que se alimenta de si mesmo.
Garantir três horas de
palanque por dia para políticos isentos dos efeitos das medidas que baixam
disputarem poder uns com os outros na base do "quem fecha mais" é tão
seguro, num país com o retrospecto político do Brasil, quanto acender uma tocha
para procurar uma agulha num paiol de dinamite.
Não é só no Brasil, aliás.
Em todos os países onde a autoridade está desmoralizada pela conflagração ideológica
o combate à peste é duplamente problemático. O comportamento das áreas técnicas
dos governos e do povo é razoável mas na ida e na volta as informações têm de
passar pelos políticos e pelos seus respectivos "batedores de caixa"
na internet e nas redações engajadas. E aí todo cuidado é pouco. Quanto desse
empenho todo é luta pelo poder? Quanto é vaidade? Quanto do que dizem e fazem
os governadores-candidatos e o presidente candidato é fruto de decisões
conscienciosas e equilibradas e quanto é precipitação para acusar, direta ou
indiretamente, o adversário de omissão?
As dúvidas são pagas em
vidas..
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É, de qualquer maneira, uma
controvérsia que se desfará por si mesmo. Todo o esforço de equilíbrio fiscal
de um ano inteiro do ministro Paulo Guedes virou pó na primeira hora da
paralização total da economia mundial. Isso arrebenta com a arrecadação num
quadro que já era de falência geral dos governos estaduais e municipais. Vai
faltar dinheiro para pagar polícia e hospital em dois, no máximo três meses.
O Brasil é o
"velhinho" desta epidemia. A economia de pior desempenho numa quadra
de prosperidade global. Roído pela privilegiatura, não tem um pingo de gordura
de proteção social. No mínimo a metade da população já vinha vivendo da mão
para a boca. Uma economia de guerra será agora, e por muito tempo, a realidade
de todos.
Não haverá alternativa senão
partir para a reforma das reformas. Para Bolsonaro será a última chance de
redimir-se de tudo que não fez e não deixou fazer embora estivesse autorizado a
tanto pela votação maciça que teve. Para seus adversários, a definitiva de
provar quanto, de fato, preocupam-se com a saúde dos nossos avozinhos. Para o
Brasil, como um todo, a de entrar, finalmente, para o rol das democracias,
acabando com a privilegiatura medieval, ou mergulhar definitivamente no caos.
Não vai ter outra.
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