O PIOR DOS MUNDOS
Por Percival Puginna.
A cada dia que passa, observando a evolução dos números de novos
diagnósticos e de óbitos levados à conta da covid-19, mais me convenço de que
iremos conviver com essa doença por muitos meses.
Produzir imunidade ampla em relação ao vírus é tarefa gigantesca,
de eficácia incerta, para as calendas do ano que vem, e olhe lá. Não há
segurança sequer em relação à imunização que a própria infecção confere ao
enfermo curado. Pessoas continuarão se contagiando e adoecendo por um período
de tempo incerto e não sabido.
A pergunta que está sobre a mesa é a seguinte: até quando devemos manter
o isolamento horizontal, se sabemos que o coronavírus continuará entre nós? O
isolamento vem acompanhado de uma paralisação das atividades econômicas e traz
um séquito de desgraças, a saber: recessão, fechamento de empresas em cascata,
desemprego, redução de salários, queda do consumo, descrédito de investidores e
aumento do risco Brasil, perda de valor das empresas, desvalorização da moeda,
redução proporcional das receitas públicas e, consequentemente, da capacidade
de o setor público dar conta de suas atribuições essenciais. Se quem pode mais,
como a Petrobras, fechou o trimestre com prejuízo recorde, imagine-se a
situação de quem pode menos.
Convivem hoje dois consensos bastante amplos. Segundo os profissionais
da saúde, é necessário manter o isolamento para “achatar a curva” e reduzir a
pressão sobre o sistema de saúde, e evitar a mortalidade por incapacidade
assistencial. Segundo o mundo do trabalho, ou seja, o setor privado produtivo,
é preciso retomar atividades, com as devidas precauções, para evitar a miséria
e suas consequências fatais sobre os segmentos mais frágeis da sociedade, a
saber, entre muitas outras: falta de recursos fiscais para irrigar o sistema
público de saúde e sobrecarga desse sistema por abandono dos planos privados,
desemprego, desabitação e aumento da população de rua, subnutrição.
Junto a todos os louvores aos profissionais da saúde atendendo na ponta
do sistema, contraindo a enfermidade, morrendo durante seu empenho em curar os
outros, contrastando a nobreza de sua tarefa com a vilania da politicagem e da
corrupção, sei que a Ciência, tão exaltada quanto necessária nestes tempos
difíceis, sofre maus tratos em certas mãos. Por que será que a OMS me vem à
mente enquanto escrevo?
Numa visão distópica, se ninguém sair de casa e ali ficarmos assépticos,
passando álcool gel, teremos deixado o vírus à míngua, mas escreveremos o
posfácio da civilização. Caberá aos sobreviventes escrever o futuro. Repito, é
uma distopia.
Penso que o debate sobre o mais grave problema da humanidade neste
período de protocolos, quarentena, isolamento horizontal, vertical e lockdown
não pode – em hipótese alguma – cair na ideologização. Neste estreito e raso
patamar, as Ciências relacionadas à Saúde são vistas como cuidadoras da
humanidade e a Economia como ciência cuidadora do dinheiro... Essa é uma visão
realmente estreita e terrivelmente ideológica. A Economia como Ciência, ou
substantivada como atividade econômica, liga-se inteiramente, por preposição, à
vida e sobrevivência do ser humano! A Economia é para pessoas, de pessoas, com
pessoas, por pessoas, sobre pessoas, mediante pessoas.
Associá-la exclusivamente a dinheiro é desconhecer o que a torna
essencial, inclusive para que as Ciências da Saúde avancem e proporcionem a
todos o bem que a elas corresponde. Na prática, é preciso saber como conciliar
as condições de sobrevivência com as de proteção da vida.
A melhor solução será aquela que minimizar as duas perdas defasadas na
linha do tempo, mas significativas e reais: as mortes causadas pela doença e as
mortes determinadas pela miserabilização da sociedade. Receio estarmos andando
pelo pior dos mundos, com o maior dano em ambos os casos.
* Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é
arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista
de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+
Parabéns. Excelente matéria.
ResponderExcluirNão deixa de ter razão, porém faço uma pergunta: Onde estão os lucros acumulados das empresas? se não os têm é por emprego e uso errado dos resultados ou simplesmente falta de administração .
ResponderExcluirConcordo!!! Falta um lider para nós coordenar!!!
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